quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Reflexões sobre provas proibidas...

O julgamento penal tem uma especial dimensão moral. Está preocupado com a determinação da culpa-moral... aquela que pode justificar a inflição de sofrimento e humilhação ao indivíduo (o que não deixa de ser um resquício histórico)... A boa-vontade com que a comunidade encara a decisão penal e a autoridade do tribunal depende do modo como a mesma comunidade encara a legitimidade moral do sistema... esta legitimidade depende por seu turno da "justiça" e moralidade do procedimento, da incorruptibilidade das magistraturas, da eficiência das polícias, da precisão e competência do ministério público. Ademais, não faria sentido impôr a lei, restabelecê-la, castigar o infractor... usando meios desonrosos ou desleais. Repare-se, quer a prevenção geral, quer a prevenção especial, quer mesmo a retribuição como fins das penas perdem legitimidade se o "carrasco" usa de meios desonestos, mesmo para com um "potencial" ou "suspeito" criminoso... é que mesmo usando tais meios sempre se pode vir a provar a inocência do arguido! Então como ficaria a auto-estima da máquina e a imagem que dela tem o público?
Claro que o argumento pode dar para o lado oposto: então se o tribunal não condena com base em provas ilegalmente obtidas, deixando escapar o homicida, é o sentimento de justiça da comunidade que se sente traído, e mais, é um sentimento de insegurança que perpassa o todo social. Ao invés, se procede admitindo a prova ilegalmente obtida, está a ratificar os comportamentos ilegais das polícias, também por aqui deixando no todo social uma ideia de desprotecção contra o crime (aqui o crime praticado pela "máquina")!
Assim que a proibição de prova tenha, pelo menos, um efeito indiscutível, que é o efeito dissuasor: os órgãos de polícia criminal sabem que não vale a pena tentar essas vias pois os seus objectivos não serão conseguidos se seguirem tal caminho. Do mesmo passo evita o legislador preventivamente lesões dos direitos das pessoas, mesmo as feitas pelas autoridades judiciárias.
Mas atenção: falamos de provas comprovadamente nulas! Não de provas cuja invalidade não resulta clara! E menos ainda falamos de consequências outras, que não criminais, dessas mesmas provas, ainda que juridicamente inválidas no plano criminal!
É que parece muitas vezes esquecer-se que uma prova nula para efeitos criminais, não passa a ser inexistente para todos os efeitos jurídicos. Há aliás jurisprudência consolidada de Tribunais portugueses a dar relevância no âmbito do direito civil, por exemplo, a provas totalmente nulas para efeitos criminais. E se assim é - e foi - em tantos casos, estranho seria que o deixasse de ser apenas num ou noutro caso!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

"Imaginem" por MÁRIO CRESPO (a ver se o divulgamos)

Imaginem Imaginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados. Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação. Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento. Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas. Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta. Imaginem que só eram usados em funções do Estado. Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público. Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar. Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês. Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência. Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas. Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam. Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares. Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas. Imaginem remédios dez por cento mais baratos. Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde. Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros. Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada. Imaginem as pensões que se podiam actualizar. Imaginem todo esse dinheiro bem gerido. Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins. Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal. Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas. Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo. Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos. Imaginem que país seremos se não o fizermos. mário crespo

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Comemorações da República por Alberto Gonçalves

Opinião de Alberto Gonçalves no DN
Cem anos de simulação
Não vou aos touros, não gosto (genericamente) de fado e nunca experimentei o mais vago sentimento monárquico. Mas comemorar a Iª República é igual a comemorar o dia em que o nosso tio-avô contraiu sífilis. A abolição da monarquia constitucional resultou da acção de um pequeno bando de rústicos, de carácter, conduta e aspecto duvidosos. O regime imposto pelo bando foi um exercício de limitação sucessiva de direitos concedidos, é verdade que moderadamente, até 1910. Fora a famosa liberdade religiosa, um pretexto para perseguir o clero, no resto, contas por alto, condicionou-se a liberdade de expressão, mediante censura activa, e a liberdade de voto, entretanto restrita aos alfabetizados – cujo número, durante a vigência “progressista” de Afonso Costa e comparsas, misteriosamente quase não sofreu alterações (durante Salazar, curiosamente, sim).
As consequências imediatas de semelhante delírio traduziram-se na emergência do Estado Novo, que adaptou a trela nos costumes e contrapôs ao caos governativo e económico um modelo de ordem, para alívio inicial das massas. As consequências a longo prazo ainda se sentem hoje, quando um país teoricamente civilizado festeja com pompa oficial a delinquência e o atraso de vida, afinal os autênticos “valores” da I República, de que a III, para nosso embaraço, pelos vistos não abdica.
Alberto Gonçalves
Diário de Nótícias, 31 de Janeiro de 2010