quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Para que se reponha a verdade em matéria de escutas

Diz o art.º 11º do C.P.Penal que compete ao Presidente do STJ "autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro, e determinar a respectiva destruição...".
Significa isto, linearmente, que é ao Presidente do STJ que tem de ser pedida, pelo MP, autorização para "escutar" qualquer dos ditos titulares de órgãos de soberania. Por outras palavras, é ao Presidente do STJ que são atribuídas as funções do Juiz de Instrução Criminal previstas no art.º 187º n.º 1.
Agora raciocine-se: quererá o art.º 11º do CPP dizer que, se numa escuta em que é alvo um qualquer cidadão, aparece esse mesmo cidadão a falar com o PR, o PAR ou o PM, a escuta é automaticamente nula porque não houve prévia autorização do Presidente do STJ? Obviamente que não! Tal interpretação só pode ser feita por quem de processo penal ou pouco sabe, ou não quer saber! E mantenho esta opinião, mesmo que seja o atrás criticado entendimento aquele que consta (eventualmente) das decisões ignotas do STJ de que a comunicação social tem feito eco!
Só ignorância, ou má vontade, pode justificar que se tente aplicar o art.º 11º CPP a tal situação. O art.º 11º CPP manda que, sendo "alvos" o PR, o PAR ou o PM, seja tal autorização concedida não por um qualquer juiz de instrução, mas pelo Presidente do STJ... nada tem que ver com a situação veiculada na Comunicação Social.
Assim que, tendo sido "escutado" incidentalmente o PR, o PAR ou o PM numa escuta telefónica em que era alvo um "cidadão normal", nenhuma autorização prévia tenha de existir, porque por definição não se sabia que tal "cidadão especial" iria "intervir" na conversação objecto de escuta.
Andou bem, assim, o MP, se, uma vez surgindo um "cidadão especial" numa escuta a um "cidadão normal", desencadeou a aplicação do art.º 11º, apenas a partir do momento em que tal foi descoberto, que aliás é o momento a que alude também o art.º 188º n.º 4, sobre "formalidades das operação".
Pretender que a competência do Presidente do STJ tem de verificar-se ANTES de se saber que o PR, o PAR ou o PM vão intervir numa conferência telefónica, é determinar, sem apelo nem agravo, que todas as escutas em Portugal tenham de ser autorizadas por ele (não vá um qualquer traficante de bairro ligar por erro ou acaso, ou por dele ser amigo, para o Presidente da República)...
As interpretações incríveis feitas nos últimos dias a este respeito, por impreparação ou má vontade, acabam com o resquício de dignidade e de credibilidade que ainda resta a alguns dos profissionais do Direito.
Lamentável!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Mário Crespo - JN de 09/11/2009

Escreve Mário Crespo, hoje no JN:
"Os intocáveis
O processo Face Oculta deu-me, finalmente, resposta à pergunta que fiz ao ministro da Presidência Pedro Silva Pereira - se no sector do Estado que lhe estava confiado havia ambiente para trocas de favores por dinheiro. Pedro Silva Pereira respondeu-me na altura que a minha pergunta era insultuosa. Agora, o despacho judicial que descreve a rede de corrupção que abrange o mundo da sucata, executivos da alta finança e agentes do Estado, responde-me ao que Silva Pereira fugiu: Que sim. Havia esse ambiente. E diz mais. Diz que continua a haver. A brilhante investigação do Ministério Público e da Polícia Judiciária de Aveiro revela um universo de roubalheira demasiado gritante para ser encoberto por segredos de justiça.
O país tem de saber de tudo porque por cada sucateiro que dá um Mercedes topo de gama a um agente do Estado há 50 famílias desempregadas. É dinheiro público que paga concursos viciados, subornos e sinecuras. Com a lentidão da Justiça e a panóplia de artifícios dilatórios à disposição dos advogados, os silêncios dão aos criminosos tempo. Tempo para que os delitos caiam no esquecimento e a prática de crimes na habituação. Foi para isso que o primeiro-ministro contribuiu quando, questionado sobre a Face Oculta, respondeu: "O Senhor jornalista devia saber que eu não comento processos judiciais em curso (...)". O "Senhor jornalista" provavelmente já sabia, mas se calhar julgava que Sócrates tinha mudado neste mandato.
Armando Vara é seu camarada de partido, seu amigo, foi seu colega de governo e seu companheiro de carteira nessa escola de saber que era a Universidade Independente. Licenciaram-se os dois nas ciências lá disponíveis quase na mesma altura. Mas sobretudo, Vara geria (de facto ainda gere) milhões em dinheiros públicos. Por esses, Sócrates tem de responder. Tal como tem de responder pelos valores do património nacional que lhe foram e ainda estão confiados e que à força de milhões de libras esterlinas podem ter sido lesados no Freeport. Face ao que (felizmente) já se sabe sobre as redes de corrupção em Portugal, um chefe de Governo não se pode refugiar no "no comment" a que a Justiça supostamente o obriga, porque a Justiça não o obriga a nada disso. Pelo contrário. Exige-lhe que fale. Que diga que estas práticas não podem ser toleradas e que dê conta do que está a fazer para lhes pôr um fim.
Declarações idênticas de não-comentário têm sido produzidas pelo presidente Cavaco Silva sobre o Freeport, sobre Lopes da Mota, sobre o BPN, sobre a SLN, sobre Dias Loureiro, sobre Oliveira Costa e tudo o mais que tem lançado dúvidas sobre a lisura da nossa vida pública.
Estes silêncios que variam entre o ameaçador, o irónico e o cínico, estão a dar ao país uma mensagem clara: os agentes do Estado protegem-se uns aos outros com silêncios cúmplices sempre que um deles é apanhado com as calças na mão (ou sem elas) violando crianças da Casa Pia, roubando carris para vender na sucata, viabilizando centros comerciais em cima de reservas naturais, comprando habilitações para preencher os vazios humanísticos que a aculturação deixou em aberto ou aceitando acções não cotadas de uma qualquer obscuridade empresarial que rendem 147,5% ao ano.Lida cá fora a mensagem traduz-se na simplicidade brutal do mais interiorizado conceito em Portugal: nos grandes ninguém toca."

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Frase do dia na internet!

Circula hoje na internet uma frase absolutamente lapidar! A saber:

"FELIZ FOI ALI BÁBA... QUE NUNCA VIVEU EM PORTUGAL E...
... SÓ CONHECEU 40 LADRÕES!"

Humor absolutamente fabuloso!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Oh Cândida!

É uma dor de alma ver a responsável (quase) "máxima" (pois o máximo é o PGR) por algumas das mais relevantes investigações criminais a perorar na televisão sempre que lhe estendem um microfone...
É a falta de estilo semântico, a gaffe palavrosa, a ajuridicidade do conteúdo... tudo! Não há nada que se aproveite, valha-nos Deus!
Então investiga-se depressa para terminar os inquéritos? Ou para evitar que sejam substituídas medidas de coacção a arguidos! Pobre desgraçado do Oliveira e Costa, que tem uma presunção de inocência menorizada no pensamento do Acusador (que será acusador, parece inequívoco, perante tantos dislates!). Pobre... não que tenha qualquer opinião sobre o personagem! Nem boa, nem má! Mas é um presumível inocente... ou não?
Não sei porquê, vendo a Sr.ª a entrar-me na sala de jantar quase todos os serões traz-me sempre à memória aquela frase célebre do Monarca Espanhol... "porque no te callas? Cándida!" (desculpem mas neste teclado não consigo inverter os pontos de interrogação e de exclamação)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Dia de Finados (texto de Alcione Araújo)

Alcione Araújo:
"Hoje é dia de tatear o coração e sentir as nuances da mesma dor nos buracos e lacunas deixados pelos afetos que fizeram de mim o que sou e partiram antes da hora. É dia de revolver a memória e reencontrar suas imagens, que, imunes ao tempo, são as mesmas de antes da despedida: umas afáveis e acolhedoras, outras mansas e silenciosas, algumas alegres, iluminadas e até eufóricas, e as momentaneamente indiferentes – viviam o que lhes coubera viver, sem saber que a partida estava próxima. E assim permanecem comigo. Todas me amavam, e eu também as amava, como amo ao lembrá-las, abraçá-las, tocar-lhes a mão, beijar-lhes o rosto, enquanto sussurramos segredos e intimidades. Não são mundos diferentes, mas tempos diferentes, que a memória aproxima e o coração reúne. Não é apenas que me habitam, os meus afetos me constituem. Por isso, hoje é dia de saudade. Melhor que seja essa dor silenciosa e resignada. Se gritasse, dilacerasse, lancinasse, não suportaria, nem teria como arrancá-la de dentro de mim. Muda e quieta, a saudade dos meus afetos é também saudade de mim. Da pessoa melhor que fui com eles, do que me deram em vida, do que deles herdei. O que me tornei foi na ausência deles: mais pobre, mais cético, quem sabe menos amado. Trago-os no coração como pedaços de mim, e na memória para não me esquecer de que são pedaços de mim. Eu sou em pedaços. Quando o esquecimento vence a memória, os afetos que partiram começam a morrer. Sei de povos que só os dão por mortos quando seus nomes não são mais citados. Sei da mulher que um dia não conseguiu mais se lembrar do rosto da mãe. Inconformada com a ingratidão da memória, que a matara definitivamente, se desesperou e chorou o próprio abandono. A memória não lhe devolveu a mãe. Não choro meus afetos mortos e sou cético do nosso reencontro. Choro o que deles morre em mim e o que de mim morre com eles. Cada partida apaga uma luz em mim. Aos poucos vou me apagando em vida. Em dias como hoje, a memória ilumina lacunas e buracos, de onde eles surgem como Lázaros redivivos. Sei que é obra da saudade, mas meu coração esburacado se sente consolado. Meus mortos jazem em mim; sou um cemitério vivo dos meus afetos que partiram – e até de alguns vivos, que brincam no playground no meu coração –, enquanto a memória vencer o esquecimento. Enterrados longe de mim estão seus despojos, à mercê de vermos ávidos. Sorvidos e absorvidos, são húmus de novas vidas. Tudo o que resta deles está em mim. E invertem-se os papéis: sou o que fizeram de mim, agora eles são o que eu fizer deles. O coração e a memória os mantêm vivos sem custo nem esforço. O amor, provisório entre os vivos, é eterno para os mortos. Sem flores, sem velas nem lágrimas, hoje é dia de revolver a memória e, com o meu amor sem resposta e a saudade sem fim, visitar os mortos que jazem em mim. Eles não vão ressuscitar, e nada vai mudar, mas o meu coração esburacado vai se sentir consolado"